Life Style

Casulo invisível: a exaustão silenciosa do trabalho remoto

30 Maio 2025

A transição para o trabalho remoto foi, para muitos, uma conquista. A eliminação do trânsito, a flexibilidade de horários, a possibilidade de conjugar o profissional com o pessoal — tudo parecia apontar para um futuro mais equilibrado e humanizado. Mas há um lado menos visível neste novo paradigma. Um lado que se insinua devagar, quase sem darmos conta: o cansaço emocional que nasce da ausência de vida em movimento.

A energia, em vez de se renovar, estagna. A motivação esvazia-se sem aviso. O conforto transforma-se numa espécie de anestesia: estás funcional, mas raramente inspirado.

E o mais preocupante: deixas, aos poucos, de procurar o exterior — porque tudo, aparentemente, já está dentro. E a casa, por mais acolhedora que seja, não substitui o mundo.

O trabalho presencial não é apenas uma formalidade. É um espaço de contacto humano, de estímulo mental e de espontaneidade. A presença física do outro, os gestos, as pausas partilhadas, os olhares — tudo isso nos reativa.

No remoto, há uma ausência subtil, mas constante: não há risos partilhados entre tarefas, não há cafés improvisados onde nascem ideias, não há estímulos que quebrem a previsibilidade do dia.

O mundo torna-se demasiado interno. E com isso, a alegria de estar viva dilui-se — não porque falte algo de concreto, mas porque falta o inesperado.

Uma liberdade que isola

Estar em casa a trabalhar todos os dias parece o cenário ideal. E, no início, talvez até seja. Há uma sensação de controlo, de autonomia. Mas, com o passar do tempo, o que se ganha em conforto, perde-se em energia vital.

A casa deixa de ser refúgio e passa a ser rotina. Estás sempre ali. Entre o sofá e a secretária. A máquina de café tornou-se o teu “refeitório” e o silêncio da casa, o teu único colega.

Pouco a pouco, deixas de sair. Já não tens vontade de te arranjar, de apanhar ar, de conviver. E, quando dás por isso, estás num casulo onde a tua energia desce todos os dias um pouco mais.

A falta de estímulos humanos

O ser humano precisa de contacto. Não é só uma questão social — é biológica. Ver pessoas, ouvir vozes, cruzar olhares, trocar ideias — tudo isso ativa o cérebro e alimenta o estado de espírito.

No remoto, a ausência de estímulos físicos reduz a nossa capacidade de entusiasmo. Mesmo as vitórias diárias parecem mais pequenas, porque não tens com quem as partilhar no imediato. E com o tempo, vem uma apatia silenciosa: não é depressão, mas também já não é alegria.

A importância do presencial

Ir para o escritório pode parecer um esforço — e às vezes é. Mas o que ganhas em troca, compensa todos os minutos de deslocação – a conexão:

- Ouves conversas espontâneas que te fazem rir.

- Trocas ideias que não surgiriam por e-mail.

-  Sentes que fazes parte de algo vivo, que está a acontecer agora.

O gesto de sair, de vestir algo que não se escolheu por conforto mas por intenção, de encontrar pessoas, de escutar ruídos reais — tudo isso tem um impacto profundo no nosso bem-estar. Estar entre pessoas lembra-nos que existimos para além da função.

Que somos mais do que produtividade — somos também presença, emoção, vínculo. Não se trata de romantizar o escritório. Trata-se de resgatar o que ele representa: energia humana. E essa energia contagia — dá vontade de fazer, de sair, de viver.

Acordar o corpo, reanimar o dia

Se te sentes cansado, sem energia, a arrastar os dias em casa… talvez não estejas a trabalhar demais. Talvez estejas só a viver de menos.

Por isso, sempre que possível, regressa. Não pelo protocolo, mas pela vida que acontece nas entrelinhas:

...no sorriso que não se vê por ecrã,

...na troca de ideias que não cabe num chat,

...na sensação de pertença que nenhuma reunião virtual consegue replicar.

Sai. Ocupa o mundo. Porque há uma parte de ti que só desperta quando te cruzas com o outro.

E essa parte — essa que vive — sente falta de ti. Porque lá fora — ainda que haja trânsito, barulho e reuniões — há vida. E faz bem senti-la.

Patrícia Correia
Patrícia Correia

Head of People & Culture @ Multivision

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